terça-feira, 25 de março de 2008

A Casa que eu deixei...por ti!


No farol das tormentas os dias tem sido calmos, a acalmia depois de tão longas tribulações…a vida será sempre assim.
Os dias vão passando sem eu dar por isso, lentos com uma rapidez brutal!
Ainda ontem dei por mim, sentado no meu sofá com os olhos fechados e veio-me aquele cheiro, sim aquele cheiro que tu também como eu tanto gostas!
Foi transportado, com os olhos fechados para aquela quinta, para aquela grande casa que nós tão bem conhecemos como se fosse nossa, como se alguma vez lá tivéssemos vivido…mas sabes bem que não, nunca lá vivemos, mas vemo-la sempre de fora e recordamos como era por dentro, os seus salões, os seus jardins de buxos e os jogos d repuxos.
Vi-me sentado na biblioteca, bem em frente da grande lareira. As janelas que davam para o varandim todas abertas de par em par e os cheiros que vinham lá de fora, os sons dos rebanhos que pastavam nos campos.
Senti-me lá de novo, senti o seu cheiro, o cheiro a velho com um travo de mofo, mesmo arejada, o cheiro subia sempre das adegas até lá a cima.
Os grande salão onde tanta noite dançamos, bailamos até nos doer os pés. Até ficarmos tontos de tanto rodopiar e de tanto valsar ao compasso lento do quarteto que ficava sempre ao canto.
Como eu gostava. Daquela frescura dos corredores escuros da leveza da pedra branca do chilrear dos pássaros na matas e nos campos. Onde cavalgávamos sem para, onde víamos a raposa furtiva a passar pelo meio dos choupos e os coelhos no meio dos rebanhos.
Éramos to felizes no paraíso idílico.
Quando o sol raiava e o sol cantava, quando nós perdíamos no meio dos labirintos no jardim acabando sempre por ir dar ao grande lago onde as rãs coachavam no meio dos nenúfares e as carpas vinham quase te comer a mão.
Era todo tão belo.
Nas cocheiras quantas horas passamos de volta dos poldros e dos corrais quantas vezes vimos tirar o leite e fazer o queijo.
Quantas vezes eu quis lá ficar, quantas vezes eu te pedi para ficar, para deixarmos o munda lá fora e par ficarmos ali, só nos os dois, no meio dos salões que iríamos povoar de amigos e de família, no meio dos campos cheios de rebanhos, de sol, de ervas, de vida!
Quantas vezes?!
Mas tu preferiste vir-te embora, deixares a casa, a grande casa que já havia sido de tantas gerações e partir par sempre daquele local onde nunca chegamos a viver, onde nós sentíamos sempre visitas, estranhos numa casa que tinha tanto para descobrir!
Como eu gostaria de lá ficar de te mostrar todos os livros, cadernos e opúsculos que a biblioteca guardava, mas tu de nada disso querias saber, nem dos moveis que tinham vindo dos palacetes da família e que apodreciam por ali a cada canto, nem das jóias que o cofre guardava no meu escritório que tu chamaste de velhas e baças, mas que tanto dinheiro negro havia costado. Os grilos e as cigarras que as noites de grandes festas cantavam, todos os pirilampos que iluminavam os campos
Tu de mim não quiseste saber… não te importaste pelos rebanhos e pelos caseiros, não ligaste aos rãs nem as raposas muito menos aos peixes e as carpas…os grilos e os pirilampos…
Partimos para sempre… eu nem olhei para trás enquanto a charret descia as veredas que secavam como se se cobrissem de luto, de luto pelo meu ser, os grilos não cantavam e os pássaros não voavam, brocados de pano negro caíram sobre a pedra de armas que na semana seguinte era picada sem dó nem piedade, senti cada uma das sua martelas, do escopro que quebrava que picava no meu próprio coração, senti-me despedaçar, perdido e sem o que era tido como meu…
Em mim só ficou o cheiro que tanta vez me chega vindo não sei de onde. Nessa altura fecho os olhos, fecho os olhos com muita força e sinto-me a entram no grande casarão, sinto-me a percorrer todas as salas, a passar a mão sobre todos os moveis, pelas padeiras de todas a janela sonde me debruço e tento de novo ver o que eu tanto amava…
Mas nada vejo, nada!
Para sempre voltei as costas, por ti não por mim, e agora sinto que não valeu a pena…
Talvez seja tarde…certamente será, mas a roda da fortuna rodo sempre, umas vezes esta em baixo outras vezes em cima, mas sempre roda…
Talvez um dia eu volte, talvez um dia eu possa de novo sentir o seu cheiro, os seus sons, e o seu deleite…
Quem me dera poder lá ficar para sempre, encher todas as salas de gentes, de amigos, conhecidos, todos teriam espaço no grande casarão…
Como eu gostava não estar sentado no meu sofá, fechado na minha triste casa que me arranjaste, mas sim naquela outra casa, na minha verdadeira casa, naquele grande casarão, solar de mil delicias, e senti-me de novo vivo.
Quem me dera poder tirar estes macaquinhos lá. Pois quem me dera…
Sim, porque todos nos temos macaquinhos no sótão!

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