sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A casa mantinha-se no mesmo local, seria difícil deslocar toneladas de rocha, mas aparentemente fechada. Alguns vidros partidos e buracos no telhado. Mesmo assim a chave entrou na fechadura onde, com uma grande dificuldade, consegui deslizar os carretos e os ferrolhos.
O ar era bafiento, nada mais era de esperar, o cheiro acre da cinza que descia das chaminés, o pó, os despojos e o mesmo cheiro a rosas quem me fez disparar as sinapses e recuperar as velhas memorias.
Fechei os olhos e ouvi os gritos da miudagem que passava por mim, dos afáveis cumprimentos das longas refeições tomadas no grande salão. Nada daquilo era real, nunca tal foi real! Minto, sim, minto a mim mesmo com construções falsárias de memórias apaziguadoras.
Subo as escadas onde os tapetes abafam os passos. Não me esqueci do caminho.
Abro a porta, entreaberta.
Esta tudo como da última vez, somente escuro, muito escuro.
Apalpo as portadas de uma janela que abro deixando entrara a nesga de luz, do sol quente e nascente que, lá fora, se eleva.
Olho a volta, os móveis são os mesmos, o tocador continua ali, mesmo ao meu lado.
Sento-me à sua frente, no banco puído e ratado.
Abro os espelhos, embaciados de prata velha que se esfarela.
Olho para o olhara que me é volvido, que me olha do espelho.
Não o conheço, não sei quem é, embora não negue uns quaisquer traços familiares.
Fita‑me, é um homem, é novo. É triste, nota-se na boca onde os sulcos se dirigem para o chão. Os olhos são mortiços, desfalecidos, éteres, vazios.
Não sei quem é mas ele ali esta, fitando-me como se procura-se alguma coisa. Os seus olhos mostram-se vivos, no fundo mesmo no fundo eles estavam vivos como se fosse uma estátua humana.
Pedia ajuda, sim isso eu sei que ele pedia ajuda.
Mesmo sobre aquele aspecto de mármore dos seus olhos ambarinos, havia algo nele que pulsava, havia alguma coisa que o mantinha vivo.
Não sei quem ele é, somente que me olhava, que me mirava como se me conhecesse como se eu fosse uma parte dele, como se tivesse sido partida de mim.
Ele sou eu, o eu que eu era, que eu foi, naquela casa, que já não era minha.

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