segunda-feira, 29 de julho de 2013

Infinito

O campo salpicava-se de arbustos de lavanda. Por todo o lado, enquanto a tarde adormecia, se sentia o seu doce odor. Perdido no meio do campo a pérgula montada como uma tenda parecia o melhor refugio para aquela alma que deambulando procurava conforto, um balsamo para lhe apaziguar as feridas do caminho e os panos que se agitavam chamavam o caminhante.
O silêncio, o estranho silêncio que povoava o campo, o vento que não se conseguia perceber de onde vinha, vindo de todos os lados, o cheiro era a única nota, o cheiro e as cores que se tornavam mais fortes.
Entrou no limiar dos panos, da tenda, permitindo finalmente olha para dentro daquele espaço. O chão estava coberto com almofadões que rodeavam uma pequena mesa onde se dispunha um copo, uma jarra com água fresca.
Um novo cheiro juntou-se então, o cheiro a maça e a canela que ficava suspenso no ar numa pequena nuvem. Afinal não estava só, antes dele já alguém ocupava o seu refugio.
Uma mulher que, deitada, fumava de um grande cachimbo de água. Não se surpreenderam, sabiam que se iriam encontrar. Ele descalçou-se, libertou-se do pó do caminho, e tomou o seu lugar, de frente, olhando para aquela mulher que o olhava.
-vim de longe em busca de refugio…
- Aqui tem o refúgio que procura, toma este que sempre foi o teu lugar
Sentou-se, sabia que tinha terminado a sua jornada, sabia que a solidão do caminho o havia levado até ali. Chegara ao seu abrigo.
- Sabes quem eu sou? - perguntou aquela mulher de olhar cuidado e pacifico
- Sim seu…sou eu, o pedaço de mim que andava perdido, aquele pedaço que um dia deixei partir sem dar conta, a minha chave de abobada, aquele simples pedaço de tijolo que mantinha o meu mundo de pé. Esta na minha frente aquilo que devia estar ainda dentro de mim, que nunca deveria no fundo ter quebrado, fragmentado…você é um pedaço de mim, aquele pedaço de mim que eu andava a procura e que finalmente pode encontrar, no lugar onde eu sabia que estaria…mas tinha que fazer o meu caminho, tinha que sentir o pó na minha cara, os pés a doerem, a dor, o desespero a cada passo,  perder-me mil vezes, para por fim perceber que estava na altura de a reencontrar…sabia que estava aqui, sempre soube. Mas somente agora te posso dizer que te encontrei, por somente agora posso dizer que te tinha perdido, que sentia a tua falta, pois somente aqui, olhando no teu olhar posso dizer que esta tenda, neste campo, neste tempo perdido…somente aqui eu te podia encontrar, somente aqui podia ser o meu refugio…
Ela sorriu, lançou uma baforada de fumo para o ar no meio de um sorriso, olhou para ele…convidou-o a beber
- bebe, bebe dessa água que vai matar essa sede que o caminho te deu, toma a água que vai aliviar a sede que te mata por dentro…bem vindo ao teu refugio, fica o espaço é teu…

Levantou-se, o vestido branco foi tomado pelo vento, o olhar fitou o horizonte, estava na altura dela partir, olhou a derradeira vez para trás, olhou para a marca que ele trazia no ante braço, uniu permanentemente as pontas laças, construiu um infinito naquele sítio onde esse infinito havia sido quebrado. Ele soube que a partir de então jamais lhe iria doer o infinito quebrado que o caminho lhe havia desenhado a tinta na pele e a dor num qualquer sitio que havia ficado pelo caminho.
Ela não disse mais nada, olhou em frente, e com volúpia afastou-se, partiu para oriente, pelo meio do caminho rodeado pelos arbustos de lavanda, já não era precisa, a sua função estava comprida.

Ele ficou no seu refúgio, só, solitário…mas com a certeza de finalmente estar no sítio certo, no seu refúgio, no seu abrigo, de estar finalmente num sitio onde pudesse escrever a tinta forte o seu próprio destino, o seu futuro, os seus desejos…onde por fim pudesse escrever o seu próprio infinito!

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